sábado, 29 de maio de 2010

A química da Paixão

Romeu e Julieta, Prestes e Olga, Tristão e Isolda. Quem pensa que os acessos de paixonite são reservados às mocinhas da Renascença e às páginas dos romances se engana. As histórias proliferam-se nos dias de hoje e estão aí para mostrar do que o ser humano é capaz quando está com a "química alterada". Quando o coração fala mais alto, a razão vai para o beleléu. Mas a paixão não é um sentimento restrito ao coração: as maiores revoluções acontecem mesmo em nossos cérebros.




Paixonite aguda


Você passa o dia inteiro sorrindo à toa, com o olhar perdido. Sua conta bancária pode estar no vermelho e lá fora estar caindo o maior toró que seu humor não muda. Só de pensar nele dá um frio na espinha, uma sensação de aconchego. Afinal, você sabe que ao chegar em casa ele estará lindo e cheiroso te esperando com beijos e amassos. Não confunda: esse sentimento de que o mundo pode entrar em guerra e você nem se abala não é amor. Se sua cabeça está nas nuvens, você conta as horas para vê-lo, você foi fisgada pela paixão.




A paixão desmedida não é apenas um sentimento intenso pelo outro. Ativada por inúmeros mecanismos cerebrais, é responsável por excessos, euforia e até crimes. A bióloga Ana Luisa Miranda-Vilela, estudiosa das pesquisas relacionadas à paixonite e suas causas, acredita que seus principais desencadeadores sejam fisiológicos. "Existem pesquisas que mostram o funcionamento do cérebro de pessoas apaixonadas. Ao mostrar a apaixonados fotos da pessoa amada, neurocientistas detectaram por meio de ressonância magnética uma hiperatividade em áreas associadas à recompensa e ao prazer. Estas áreas são as mesmas envolvidas com a dependência de drogas psicotrópicas", conta.



Nosso sistema de recompensas, quando estimulado, produz uma sensação de bem-estar aumentando o desejo de repetir tais sensações. Este sistema parece ser a estrutura central no desenvolvimento de dependências, seja em relação a drogas ou a exemplares do sexo oposto.



Neurotransmissores



Em meio a reações químicas, substâncias responsáveis por uma série de sensações arrebatadoras nos deixam, literalmente, ardendo de paixão. Por exemplo, os neurotransmissores cumprem uma função indispensável na ativação do impulso sexual, transformando beijos e carícias em lubrificação vaginal e ereção peniana. "A feniletilamina, um dos mais simples neurotransmissores, é conhecida há cerca de cem anos pelos cientistas, mas só recentemente foi associada à paixão. Molécula natural semelhante à anfetamina, suspeita-se que sua produção no cérebro possa ser desencadeada por eventos tão simples como uma troca de olhares ou um aperto de mãos", descreve Miranda-Vilela.


A descoberta foi realizada pelos médicos norte-americanos Donald F. Klein e Michael Lebowitz a partir da sugestão de que o cérebro de uma pessoa apaixonada continha grandes quantidades do neurotransmissor. Não poderiam estar mais certos.



Mas essa palavrinha complicada não é a única responsável pelo descontrole emocional que todas nós já vivemos um dia. Os sentidos dão uma grande ajuda no processo e deixam o amor à flor da pele. Tudo começa com a visão, a mais importante fonte de estimulação sexual. "A forma de mover-se, um olhar, um gesto ou até mesmo a forma de vestir-se são estímulos mais fortes do que a contemplação pura e simples de um corpo nu", acredita Ana Luisa.




A visão


O neurologista James Old traduziu bem a importância da visão ao dizer que "o amor entra pelos olhos". E se o flerte começa com uma troca de olhares, por trás vai se desenrolando uma série de atividades cerebrais.


"A primeira avaliação pelo olhar ativa o neocórtex, especializado em selecionar e avaliar. Após a análise biológica, para termos certeza de que o outro é uma pessoa geneticamente saudável, partimos para a análise baseada em nossas experiências pessoais - e aí entram nossas preferências - e, enfim, para a análise cultural, que é ditada pela sociedade e pelos padrões de beleza de nosso tempo", lista a bióloga. Se na Renascença as gordinhas faziam sucesso com suas curvas, isso se deve à imagem de saúde e fortaleza que elas transmitiam em uma época pontuada por escassez de alimentos e pragas.


O olfato


Além da visão, o olfato é outro sentido fundamental neste processo. Quem nunca passou pela desagradável situação de ter que dar um fora num cara porque ele tinha um cheiro esquisito? A paixão precisa de química e o cheiro nessas horas é importantíssimo. Pode até não ser ruim, mas só de chegar perto você fica enjoada. Puro instinto, assim como acontece com os animais, que são atraídos pelo cio da fêmea.



Para alguns cientistas, a percepção desses odores aconteceria de forma inconsciente, por meio de um suposto órgão situado na cavidade nasal, denominado órgão vomeronasal (OVN). Este órgão teria como única função detectar ferormônios, produtos químicos voláteis fabricados e exalados continuamente pelo nosso organismo.



Apesar de controversa, a função dos ferormônios é defendida por muitos cientistas, que inclusive responsabilizam a substância pelos casos de amor à primeira vista, por meio da produção de sensações prazerosas. A bióloga Ana Luiza avalia: "Independentemente de produzirmos ou não ferormônios, é fato que a sensação de amor à primeira vista relaciona-se a grandes quantidades de feniletilamina, dopamina e norepinefrina no organismo". Mas será que a paixão é mesmo tão científica e previsível assim?



Paixão com prazo de validade


Para as apaixonadas de plantão, essas explicações podem parecer uma fria análise do amor, mas há quem dê inclusive prazo de validade para a paixão. De acordo com a professora Cindy Hazan, da Universidade Cornell, de Nova York, a paixão duraria entre 18 e 30 meses, tempo mais do que suficiente para um casal se conhecer, copular e gerar descendentes. Parece terrível? Pois estes dados foram obtidos por meio de uma pesquisa realizada com cinco mil homens e mulheres de 37 culturas diferentes. A mesma pesquisa identificou as substâncias responsáveis pelo descontrole, dentre as quais a dopamina, a feniletilamina e a ocitocina.


A bióloga analisa: "Estes produtos químicos são comuns no corpo humano, mas são encontrados juntos apenas durante as fases iniciais do flerte. Com o tempo, o organismo vai se tornando resistente aos seus efeitos, e toda a loucura da paixão desvanece gradualmente". E é aí que o dilema começa. Passado o êxtase, um relacionamento pode sobreviver à realidade e à rotina do dia a dia?


É essa questão que o psiquiatra David Zimerman tenta responder no livro "Psicanálise em Perguntas e Respostas", da editora Artmed. "A paixão pode durar pouco porque não sobrevive diante das primeiras frustrações que abalam o ilusório mundo encantado de quem está apaixonado. Daí, resultam decepções, inevitáveis atritos e um progressivo desgaste do casal.


Por mais lindo e sadio que seja, o estado de paixão intenso vai sofrendo sucessivas transformações ao longo do tempo. E mesmo que a libido sexual persista, é bem provável que modifique o ritmo da atividade genital. A paixão vai dando lugar a um companheirismo para os bons e os maus momentos da vida, e se desenvolve um maior respeito, tolerância e consideração pelas diferenças entre eles", analisa o psiquiatra.


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